terça-feira, 20 de março de 2012

Resenha Crítica

Título: Educação Infantil e registro de práticas.
Livro: LOPES. Amanda Cristina Teagno. Educação Infantil e registro de práticas. São Paulo: Cortez, 2009.

A autora pretende com sua obra mostrar à sociedade e, especialmente, às políticas públicas o valor da educação, dos professores e de suas práticas. Inicialmente aborda as concepções de criança como ser ativo no processo de aprendizagem, produtora de conhecimento, sujeito que deixa marcas; e de professor como sujeito social e histórico que constrói experiências, intelectual, pesquisador reflexivo, produtor de conhecimentos pedagógicos que enquanto atua, reflete sobre sua prática à luz da teoria.
Partindo de um diálogo com autores, pesquisadores e professores que apresentam seus argumentos sobre o registro, Zabalza(1994), considera a diversidade de formas empregadas pelos professores para registrar sua ação cotidiana, distingue quatro tipos de diário, e estes leva o professor a aprender através da sua narração. Warschauer (1993) acredita que, além de favorecer a reflexão, o registro possibilita a construção da memória e da história, enfatizando o papel do diálogo e da experiência grupal na formação; considerando o registro e a roda instrumentos formativos. Assim como Zabalza (1994), considera o diário como instrumento no qual as dimensões pessoal e profissional aparecem integradas.
Oliveira-Formosinho e Azevedo falam sobre registros com os portfólios e a não neutralidade do ato de registrar, que passa pela subjetividade de seu autor, que seleciona o que vai ser documentado e interpreta o vivido de acordo com as próprias concepções e crenças. Madalena Freire(1996), situa o registro como instrumento metodológico ao lado do planejamento, da observação e da avaliação; favorável à reflexão sobre a realidade observada, construção de memória e de história.
Para Paulo Freire registrar pode ser considerado então, ato de estudar, o que pressupõe observação e leitura da realidade, construção de sentido para aquilo que nos é apresentado. “Significa também arriscar-nos a fazer observações críticas e avaliativas a que não devemos, contudo, emprestar ares de certeza” (Freire, 1993, p.33). Para Gandini, a documentação é um “processo cooperativo que ajuda os professores a escutar e observar as crianças com que trabalham, possibilitando, assim, a construção de experiências significativas com elas”(Gandini e Goldhaber, 2002, p. 150); demanda observação e escuta atentas, e seu registro diário por diferentes meios.
A autora afirma que a percepção do valor e da importância do registro de práticas também demanda tempo e esforço. Não estamos acostumados como educadores, a escrever sobre nossas práticas e nossas crianças. O registro demanda ainda escrita e leitura como processo de compreensão, ações ligadas ao processo de conhecer. É preciso que nós, como professores, produzamos nossa própria história, narrativas que contribuam para nossa valorização profissional.
Ao processo de formação de professores e, mais especificamente, ao registro de práticas como instrumento de reflexão e de melhoria da qualidade do ensino, vincula-se outras linguagens além da verbal. A imagem é texto a ser lido, interpretado, assim como fazemos com a palavra escrita. O desenho, forma de expressão do pensamento, de comunicação e registro, conta uma história, guarda memória, mesmo sem utilizar a escrita. Como professores devemos proporcionar situações em que as crianças possam expressar seu pensamento, registrar descobertas, escrever de acordo com seus conhecimentos sobre o código naquele momento, produzir marcas. Marcas carregadas de significação, que são história, histórias dos autores que elas são.
Aborda a relação entre registro e memória em duplo movimento, centralizado nos registros de prática produzidos no contexto da Educação Infantil. Lembra que no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (Brasil/MEC, 1998), reconhecendo as peculiaridades da educação de crianças até seis anos, aponta a observação e o registro como instrumentos essenciais ao processo de avaliação da aprendizagem e do desenvolvimento. O documento sugere a “observação cuidadosa sobre cada criança e sobre o grupo” (p. 40) e a “documentação sistemática de mudanças e conquistas” (p. 77) como instrumentos para avaliar e reorientar a prática, tendo em vista a melhoria do processo educativo.
A concepção e o entendimento que se têm hoje sobre a infância e a Educação Infantil são fruto de um processo histórico e contextualizado. Sobre a relação entre registro e memória, pode-se identificar na história da Educação Infantil em São Paulo analisada pela autora através da Revista do Jardim da Infância (1896), que as práticas desenvolvidas sob a forma assistencial, seguiam um modelo a ser imitado por outros educadores, indicando “receitas”, o que reflete a concepção da época, o modo como era entendida a formação. Apesar disso, a revista foi uma forma de divulgar/democratizar uma proposta para educação das crianças pequenas, o que significa o reconhecimento das especificidades da criança.
Apenas em 1935 o município inicia sua atuação no âmbito do atendimento educacional à infância, são criados os parques infantis, inspirados nas ideias de Fernando de Azevedo, onde a educação física é tida como essencial à construção de um povo forte, sadio e civilizado (Santos, 2005). Educação significava, portanto, assistência e recreação. Somente em 1975, os parques passam a ser denominados Escolas Municipais de Educação Infantil, e passa-se a requerer dos educadores habilitação em Educação Pré-Primária. As características assistenciais vão sendo substituídas por uma proposta mais “pedagógica” e “educativa”, perdendo um pouco o caráter lúdico, incorporando elementos do ensino primário ou do ensino fundamental.
As memórias da história da instrução pública no Brasil mostram-nos que o registro de ações já existiu em algum tempo e espaço e, portanto, não é algo novo. No período republicano, do movimento denominado Escola Nova, encontramos propostas de práticas de registro do cotidiano do trabalho pedagógico. A construção de práticas de registro da ação pedagógica por parte de educadores, longe de ser atividade meramente burocrática, constitui importante contribuição para a formação em serviço, para a melhoria da qualidade do ensino, para a produção de saberes no espaço da escola. O registro não pode aprisionar ou servir apenas a fins estatísticos; precisa libertar o professor, tornando-o autor de sua prática.
Os registros de práticas produzidos pelos professores revelam, portanto, a subjetividade: concepções, valores, seu modo particular de ler, interpretar e analisar a realidade e agir sobre ela; e neste contexto, a criança é também produtora de registros, construtora de cultura, de história. Independentemente dos instrumentos utilizados: cadernos, diários, portfólios, registrar é produzir memória, memória das práticas escolares; é construir história, é ser sujeito, participar ativamente da sociedade e deixar uma herança às gerações futuras. A escola como produtora de memórias remete-nos à reflexão acerca da função social dessa instituição, pela transmissão de uma cultura socialmente construída às novas gerações, espaço de encontro entre passado e futuro. Garantir, na escola, espaço e tempo destinados à produção e à socialização desses registros, necessita parceria entre o professor e uma coordenação consciente.
Portanto para a autora, registrar é produzir conhecimento, e produzir conhecimento é valorizar a prática pedagógica e o ofício docente. Ter acesso aos esclarecimentos contidos nesta obra, oportuna uma ressignificação ao fazer pedagógico. Ao utilizar sua prática para exemplificar sobre a importância do registro, a autora expõe suas experiências, fraquezas e incertezas, fazendo-nos sentir parceiras, e com esta obra mostra a conquista da ideia defendida. Acredito que este livro além de ser a concretização de um sonho, motivo de orgulho e alegria, é a satisfação de poder compartilhar experiências, e mais ainda, saber que provocou nos educadores uma mudança em suas práticas, tornando-os mais conscientes de sua função social como autores e produtores de conhecimento.

Resenha elaborada por Vânia Xavier, pós-graduanda do Curso de Educação Infantil e suas Linguagens, turma B, do Instituto de Ensino Superior da FUNLEC.

"Feliz o homem que encontrou a sabedoria e alcançou o entendimento,
porque a sabedoria vale mais do que a prata, e dá mais lucro que o ouro.
Ela é mais valiosa do que as pérolas, e não existe objeto precioso que se iguale a ela."
                                                                                                         Provérbios 3, 13-15

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